A classe média no cassino: trocamos o sonho da empresa própria pela ilusão da riqueza na Bolsa

Houve um tempo em que o objetivo da classe média brasileira era claro: abrir o próprio negócio. O sonho de subir na vida passava pelo desejo de construir sua própria empresa e deixar de ser empregado para se tornar patrão. Hoje, esse desejo de liberdade foi sequestrado pela miragem do mercado financeiro.

O que vemos agora é uma mutação perigosa. O ídolo do jovem e do pai de família não é mais o empreendedor, mas o especulador do sistema financeiro. Desiludida com o trabalho rotineiro e a baixa renda, a classe média foi convencida de que o atalho para a riqueza é a jogatina das apostas e do investimento especulativo. Trocamos a mentalidade de produção por uma cultura de cassino, queimando reservas em um país que parou de fabricar oportunidades.

Nos últimos 30 anos, independentemente de esquerda ou direita, o Brasil não rompeu com a desindustrialização. O problema é de Estado, não de governo. Falta um projeto de soberania tecnológica que sobreviva ao próximo ciclo eleitoral. Enquanto não discutirmos isso de forma séria e sem lados, o impasse continua.

Os Estados Unidos souberam lucrar com o modelo rentista enquanto detinham o monopólio absoluto da moeda global, mas o cenário está mudando. Após décadas ganhando com isso e a exportação de suas fábricas em busca de menores custos de produção, eles agora pagam o preço da dependência externa e do desemprego estrutural. Não à toa, o governo americano hoje injeta centenas de bilhões para forçar a volta das indústrias e recuperar a fronteira tecnológica que negligenciou.

Enquanto isso, Coreia do Sul e China mostram o caminho. A Coreia não enriqueceu com especulação, mas forçando a transferência de tecnologia das multinacionais que aproveitaram seus custos baratos de mão de obra para montar fábricas lá, e investindo quase 5% do PIB em inovação. No Brasil, preferimos torrar o capital pagando os juros mais altos do mundo para sustentar o rentismo.

O sistema trabalha contra nós. É uma economia de freio de mão puxado: quando a população consome, o sistema sobe os juros para barrar o crescimento, porque isso faz subir a demanda em um país que carece de oferta para atendê-la por falta de produtos manufaturados. O resultado é mais inflação e mais juros para barrar o custo de vida. É um círculo sem fim, onde retira-se dinheiro da produção para alimentar a especulação, deixando o Estado sem fôlego para incentivar qualquer industrialização moderna.

Nenhum país se desenvolve movimentando somente números numa tela, embora o mercado de ações tenha seus benefícios ao capitalizar empresas que produzem, geram renda e emprego. Mas ainda é pouco diante da especulação que também vem junto.

Sem um projeto que incentive a tecnologia com grandes centros de produção, continuaremos sendo um grande cassino de juros altos, onde a classe média aposta suas esperanças enquanto o verdadeiro desenvolvimento, que poderia lhe dar bons empregos e qualidade de vida, desaparece no horizonte.